"Cometeste um erro terrível que resultou na morte de um homem. Descobres que esse homem voltou à vida noutro corpo, e que é o teu grande amor."
Lina está impaciente, as horas
não passam e a sua ansiedade aumenta, são 18h34 de dia 14 de janeiro, às 20h
Lina estará dentro do avião com destino a Milão, a cidade que sempre quis
conhecer.
Viaja sozinha, a oportunidade
surgiu e pela primeira vez Lina não a deixou escapar, todos os sonhos, todas as
espectativas, tudo borbulha na sua cabeça, na sua pele.
Sentada no aeroporto ri-se
sozinha com a sua máquina fotográfica ao pescoço, parece que lhe conta as
histórias que ela irá fotografar. Chegou finalmente a hora do embarque, segue
em direção ao avião cheia de espectativas e sonhos.
A viagem foi rápida, o tempo
piorou e à saída do aeroporto de Milão, Lina encontrou chuva e frio, nada que a
preocupasse, o calor do momento estava acima de tudo, apanhou um táxi e chegou
ao hotel, o quarto era simples mas agradável, sentou-se um pouco na pequena
varanda do quarto, a chuva tinha parado agora só o nevoeiro se via, agarrou a
máquina para tirar a primeira foto, mas a máquina não quis ligar, com alguma
preocupação tirou a bateria, voltou a colocar, carregou no power com mais
determinação e alguma fé e a sua companheira colaborou e ligou-se, mais lenta
que o costume e directamente para o arquivo de fotografias, com uma foto que
Lina nunca tinha visto… nunca tinha tirado… ela conhece-o mas de outro lugar… o
pior momento da sua vida, o que faz ele na sua maquina?... a altura onde tudo
mudou, como é possível ele estar ali?... o momento em que a sua vida se
transformou num inferno.
Lina tinha a foto de um homem que
apenas conheceu já sem vida, após um acidente aparatoso que sofreu, o carro não
parou a tempo e Lina atropelou um homem, talvez um sem abrigo, não tinha
identificação, nunca a família foi avisada, não conseguiu sequer pedir
desculpa, não conseguiu ajudar. O homem era magro, fraco e possivelmente com poucas
forças para se desviar do um carro descontrolado, Lina nunca aceitou, nunca se
conformou.
Dias depois do acidente pediu
transferência para a ala psiquiátrica do hospital onde trabalha, ela quis de
alguma forma culpar-se, mesmo sabendo que foi o carro que ficou sem travões e que
não teve culpa da situação. Aquele homem era especial, era diferente e ela só o
conheceu sem vida, como seria a voz dele? Quais seriam os seus interesses? Qual
a sua comida favorita? Que teria a vida feito para chegar àquela condição? Eram
tantas as perguntas sem resposta, mas já tantos anos tinham passado… era ela
ainda uma miúda quando toda a sua vida mudou. Agora sentada numa varanda de
hotel em Milão, a sua máquina mostra-lhe o homem, não havia dúvida que era ele,
aquela madeixa branca entre o cabelo preto e a cicatriz no rosto… mas como?
Onde era aquilo?
A foto estava muito nítida, mas
não dava para perceber o local, apenas uma coisa era certa, aquela foto foi
tirada com o homem vivo… ela estava muito confusa, relembrar toda a história e
mais perguntas que voltavam, como era possível aquela foto, ali, na sua máquina
fotográfica, a sua companheira e confidente. Passou mais fotos na tentativa de
encontrar uma pista algo que a ajudasse a perceber tudo aquilo. A foto seguinte
estava desfocada, mas dava para perceber que era a sua mala e as suas pernas…
foi no táxi!!
A foto foi quando entrou para o
taxi que a levou ao hotel, o homem só podia ser o motorista, que quando se
aproximou, Lina baixou-se para apanhar o saco de viagem e a máquina disparou,
com a chuva e mau tempo e com os óculos todos pingados Lina não reparou na cara
do homem, mas a sua máquina fê-lo!
E agora… como ignorar? Seria um
sinal? Iria Lina voltar a ter a oportunidade que a vida já lhe tinha tirado?
Mais questões e dúvidas… a sua cabeça estava a mil.
Voltou para o quarto, gelada,
olhou mais uma vez a foto e sorriu.
Tinha imensos planos para estes 4
dias, mas todos eles eram de pouca importância comparado com a possibilidade de
encontrar aquele homem, falar com ele, fazer-lhe todas as perguntas que a sua
cabeça imaginou todos estes anos.
Tomou um banho e desceu ao bar do
hotel, pediu um snack e uma água, e ficou a olhar a rua, a cada taxi o seu
coração saltava, a impotência que sentia era um terrível sentimento… Nunca quis
tratar da falta de visão, usava óculos há anos sem qualquer controlo, a sua
autoestima tinha desaparecido naquele fatídico dia, o sentimento de punição era
diário. Agora havia uma luz no fundo do túnel, existia a remota hipótese quase
que por magia de se redimir, pedir desculpa, dizer que nunca foi sua intenção…
mais um táxi passa e a sua pulsação altera de rompante, Lina nem no carro reparou…
era um taxi!
Sobe ao quarto, aterra na cama num
estado de enorme cansaço e sem forças adormece.
A contagem decrescente não pára e
Lina acorda agarra na máquina fotográfica, a foto continua lá, não foi sonho,
ela tem de o encontrar.
Por telefone pede um táxi à receção
do hotel, desce e sente o arrepio da enorme esperança de ser ele a aparecer.
Aguarda na mesa do bar bebe um café e o táxi chega, não era ele… Agora que
destino seguir, tem que voltar ao lugar zero, segue em direção ao aeroporto,
onde há menos de 24horas ela se tinha cruzado com ele. Sai do taxi e fica ali
parada por uns instantes, olha em volta e procura um lugar mais recatado onde
possa ficar a observar. Afasta-se um pouco e senta-se numa escada de serviço
exterior do aeroporto, há taxis por todo lado e a sua visão não a ajuda em
nada, não a espera uma tarefa fácil. Passaram 30 minutos, era impossível
conseguir ver, que raiva sentia das vezes que Alice lhe disse que devia ir
tratar dos óculos! Levantou-se e começou a andar devagarinho ao lado da estrada
onde os táxis estavam parados, se ao menos tivesse visto a matrícula…
Passou todos os táxis e continuou
a andar pela estrada, um pouco sem rumo e sem ideias de como alcançar o seu
objetivo. O aeroporto de Malpensa ainda era distante da capital, Lina tinha
Vicenza como cidade a visitar, mas agora já nem sabia o que fazer, Vicenza
ficava a 250km era uma longa viagem, pensada em fazer de transportes públicos
iria demorar cerca de 3h de viagem, era muito tempo na sua atual vontade…
agarrou na máquina e finalmente a disparou, desta vez propositada. Tirou fotos ao
aeroporto, aos aviões, aos carros, à envolvência, a tudo basicamente…
Andou, vageou, perdeu-se e
encontrou-se… passeou pela cidade, sempre atenta aos táxis e pessoas por quem
passava. Era impossível a sua missão, Milão é uma cidade cheia de vida e
movimento, já quase sem esperança deambulou pela cidade, ao passar num rua de
comércio local, os seus pés já cansados bateram num letreiro duma agência de
viagens, Lina leu uma fantástica promoção para Vicenza a cidade que tanto
queria visitar, era o destino talvez, ela começava a acreditar nisso, por isso
entrou e comprou o bilhete, no dia seguinte dia 16 janeiro Lina ia a Vicenza! Com
sorte com azar, ia por ela, ia para ela… O resto do dia passou e Lina quase
conformada da impossibilidade de encontrar quem tanto ansiava. Voltou ao bar do
hotel e à esperança de ver o homem transportar mais um turista, mas nada
aconteceu, muitos táxis pararam, mas nenhum com a pessoa certa. Foi dormir, o
dia ia ser longo, teria de sair muito cedo para apanhar o autocarro.
A hora chegou, chamou o táxi até
à estação, mais uma tentativa sem sucesso, apanhou o autocarro e de máquina em
acção foi tirando fotos pelo caminho até Vicenza.
Vicenza era uma bonita cidade, de
jardins e belas praças, Lina chegou ao destino, Vicenza tinha flores em cada
esquina, o sol brilhava pelo primeiro dia em Itália desde que chegou, passeou pela
cidade, na praça principal sentou-se numa esplanada e pediu um café, os pombos
vieram ao seu encontro e ali ficou a brincar com eles por algum tempo. Foi
visitar o Olympic Theater e inúmeros monumentos históricos da cidade
património da humanidade da UNESCO.
O dia passou rápido e a hora de voltar
chegou, Lina voltou ao autocarro, cansada mas feliz, sem dúvida Vicenza era uma
linda cidade. De regresso ao hotel mais uma viagem de taxi em vão… resta um dia
e meio para Lina conseguir. De volta ao bar já com lugar reservado na janela,
vê os táxis a passar, sobe ao quarto, liga a máquina e passa todas as fotos
terminando naquela… Sorri e adormece.
É dia 17 e o sol brilha pela
janela, enquanto Lina retoma lentamente as forças e tenta decidir o que fazer.
Só a sorte a poderá ajudar, desce à recepção e vai pedir um táxi, quando à
porta vê o homem que tanto procura… saí a correr, tropeça no degrau da entrada
do hotel e acaba deitada aos pés do homem que está a tirar as malas de um
turista da bagageira do carro.
O homem ao vê-la no chão, baixa-se e estende-lhe a
mão para a ajudar a levantar e diz: “Ciao! Come stai bella signora?”
Lina não consegue dizer nada, está petrificada,
sem acção… olha o homem nos olhos, aceita a mão que a ajuda a levantar, mantém
os olhos fixos nos do homem, sorri-lhe e sem que qualquer outro movimento surja
passa-lhe a mão no rosto, sobre a cicatriz, as lágrimas caiem e Lina diz-lhe: “Desculpa,
não te queria fazer mal! Nunca me perdoei pelo que aconteceu, sofro até hoje
com a impossibilidade de te pedir desculpa, de te olhar nos olhos e dizer que
és especial!...”
O homem fica embaraçado, Lina continua a desculpar-se, nem dá conta do
monólogo que está a ter… O homem sorri diante de tal leveza, de tal pureza no
olhar, consegue apenas dizer ”Sei belíssima…” e acaricia-lhe o rosto, onde as
lágrimas se seguem sem parar…
O coração de Lina quase salta do peito, o homem continua sem perceber muito
bem a situação mas a admirar todo o seu contexto.
Agarra-a pela mão e faz sinal como que pedindo se podem entrar no carro e
dar um passeio, Lina aceita com um acenar de cabeça, entram no carro e ambos
sorriem, Lina começa a perceber que falou imenso em português… o homem não
teria entendido nada!
Respirou fundo e muito pausadamente disse: Olá! Eu sou a Lina e tu como te
chamas?
O homem sorriu e respondeu-lhe: “Mi chiamo Guilherme” o tempo parou naquele
momento, Lina não estava a acreditar, como podia ela explicar tudo, mas
explicar para quê?… Se calhar não era necessário, o seu carma tinha chegado ao
fim, era hora de aproveitar, desfrutar do momento, conhecer Guilherme, o homem mistério,
saber os gostos, as experiências, tudo o que não pode saber anos antes.
Guilherme era uma excelente companhia, correram Milão de ponta a ponta,
comeram, riram, sorriram muito, viveram felizes o presente.
A vida às vezes dá uma segunda hipótese, mas é melhor não arriscar e viver
a primeira intensamente como se fosse a última vez.
CARPE DIEM.
Escrito a 09/04/2020 por Helena Rocha para um desafio criado pelo Laboratório de Escrita de Lara Barradas
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